Protocolo clínico para aplicação do selante de fóssulas e fissuras

INTRODUÇÃO

A cárie dental, definida como uma destruição localizada provocada pela ação bacteriana, acomete, ainda, boa parte da população, principalmente crianças e jovens adultos.1,2 Por ser considerada uma doença infecto-contagiosa, de caráter multifatorial, fortemente influenciada pelos carboidratos fermentáveis (por ex: sacarose, amido) da dieta, em algumas situações torna-se difícil o seu controle para que não provoque lesões na estrutura dental.1-7 A superfície oclusal corresponde a uma região altamente susceptível para o início da lesão, onde os seus sulcos, fóssulas e fissuras, representam um nicho propício ao seu desenvolvimento, tornando esta condição clínica agravada pela dificuldade de higienização nessa área (Fig. 1).5 De encontro com esses levantamentos, a lesão de cárie poderá iniciar-se nas fóssulas e fissuras logo após a erupção dos dentes, podendo, quando não prevenida ou tratada, levar à perda do elemento dental, com o passar do tempo.1,2

Uma das formas de prevenção é representada pela obliteração mêcanica dos defeitos estruturais do esmalte dental, por meio da aplicação adequada de um selante de fóssula e fissuras resinoso, ionomérico ou ionomérico-resinoso, que têm demonstrado de acordo com diversos estudos clínicos longitudinais, uma excelente, segura, duradoura e comprovada alternativa preventiva para evitar a instalação e avanço da doença, ocorrendo, dessa forma, um considerável controle da atividade cariogênica nesta região.1-4,6,7,8,9 Desta forma, o objetivo deste trabalho é apresentar um protocolo clínico com comprovação científica, de uma técnica de aplicação de um selante resinoso de fóssulas e fissuras.

Fig. 1 – Imagem de Microscópio óptico comum Axiophot (zeiss) 20X, exemplificando lesões cariosas em fóssulas e fissuras. (E) esmalte, (D) dentina. (Sundfield em 2001 – Tese Livre Docência)
Fig. 1 – Imagem de Microscópio óptico comum Axiophot (zeiss) 20X, exemplificando lesões cariosas em fóssulas e fissuras. (E) esmalte, (D) dentina. (Sundfield em 2001 – Tese Livre Docência)

PROTOCOLO CLÍNICO

A técnica seladora inicia-se pelo isolamento absoluto do campo operatório (Fig. 2), quando possível; seguido pela profilaxia dental com pedra pomes e água. Devemos ressaltar a necessidade de aplicação da técnica minimamente invasiva para sulcos e fissuras com alterações cromáticas localizadas, por meio da aplicação de uma broca esférica carbide ¼ (KG Sorensen Indústria e Comércio Ltda, Barueri, São Paulo, Brasil) somente nos sulcos e fissuras com alterações cromáticas, previamente a realização do selamento oclusal (Fig. 3 e 4).

Fig. 2 – Isolamento absoluto dos dentes a serem selados com o selante Prevent (FGM).
Fig. 2 – Isolamento absoluto dos dentes a serem selados com o selante Prevent (FGM).

 

Fig. 3 - Técnica minimamente invasiva para sulcos e fissuras com alterações cromáticas localizadas no molar; aplicação de uma broca esférica lisa carbide ¼ (KG Sorensen Indústria e Comércio Ltda, Barueri, São Paulo, Brasil.) somente nos sulcos e fissuras com alterações cromáticas.
Fig. 3 – Técnica minimamente invasiva para sulcos e fissuras com alterações cromáticas localizadas no molar; aplicação de uma broca esférica lisa carbide ¼ (KG Sorensen Indústria e Comércio Ltda, Barueri, São Paulo, Brasil.) somente nos sulcos e fissuras com alterações cromáticas.

 

Fig. 4 - Após a remoção das alterações cromáticas.
Fig. 4 – Após a remoção das alterações cromáticas.

 

A seguir, após a profilaxia (Fig. 5) é realizado o condicionamento do esmalte dental, em toda a superfície oclusal, com ácido fosfórico a 37% (Condac 37, FGM), na forma de gel, sob vibração, empregando-se, para tanto, uma sonda exploradora, pelo tempo de 30 segundos (Fig. 6). Após copiosa lavagem com água e secagem com jatos de ar (Fig. 7), o material selador (Prevent, FGM) deverá ser aplicado em todos os sulcos e fóssulas com auxílio de uma sonda exploradora, sob vibração (Fig. 8).

Fig. 5 - Profilaxia com pedra pomes e água.
Fig. 5 – Profilaxia com pedra pomes e água.

 

Fig. 6 - Condicionamento ácido total do esmalte, pelo tempo de 30 segundos, com ácido fosfórico a 37% (Condac 37, FGM).
Fig. 6 – Condicionamento ácido total do esmalte, pelo tempo de 30 segundos, com ácido fosfórico a 37% (Condac 37, FGM).

 

Fig. 7 - Após o condicionamento ácido, o esmalte deverá apresentar-se com um aspecto opaco esbranquiçado livre de qualquer contaminação por fluídos.
Fig. 7 – Após o condicionamento ácido, o esmalte deverá apresentar-se com um aspecto opaco esbranquiçado livre de qualquer contaminação por fluídos.

 

Fig. 8 - Aplicação do Selante Prevent – FGM, com o auxílio de uma sonda exploradora, em todos os sulcos e fissuras, evitando regiões de interferências oclusais.
Fig. 8 – Aplicação do Selante Prevent – FGM, com o auxílio de uma sonda exploradora, em todos os sulcos e fissuras, evitando regiões de interferências oclusais.

 

A fotopolimerização se fará pelo tempo de 20 segundos, empregando uma fonte de luz halógena ou led com intensidade luminosa adequada, com potência acima de 400 mW/cm² (Fig. 9). Quando necessário deverá ser realizado o ajuste oclusal, em máxima interscupidação habitual, com o paciente sentado e com o plano oclusal paralelo ao solo, utilizando uma fita de carbono. Os contatos prematuros, quando existentes, deverão ser removidos com uma ponta diamantada de número 1014 (K.G. Sorensen), montada em alta rotação, sob refrigeração à água e ar, recebendo em seguida a ação de uma ponta de borracha abrasiva.

Fig. 9 - Após a fotopolimerização, o selante deve ser observado quanto a sua adaptação, assim como a oclusão deverá ser analisada. Quando necessário, desgastes com pontas abrasivas devem ser realizados.
Fig. 9 – Após a fotopolimerização, o selante deve ser observado quanto a sua adaptação, assim como a oclusão deverá ser analisada. Quando necessário, desgastes com pontas abrasivas devem ser realizados.

DISCUSSÃO

De acordo com trabalhos clínicos de Sundfeld et al. em 1990;11992;3 1993;4 2001;2 2004;6 2006;7 20078 e 20109, para se obter comprovado sucesso clínico na realização do selamento dos sulcos e fissuras com um material selador, quer resinoso ou ionomérico resinoso, deveremos realizar inicialmente um criterioso exame clínico da superfície oclusal e radiografias interproximais; uma vez que os dentes considerados com boa indicação para o selamento das fóssulas e fissuras, deverão apresentar superfícies proximais clínico/radiograficamente hígidas, acompanhadas de sulcos e fóssulas considerados clínico/radiograficamente hígidos, ou seja, sulcos e fóssulas claros, sem alterações cromáticas. Entretanto, os que apresentam pequenas alterações cromáticas localizadas,10 como no presente relato de protocolo clínico, sugestivas ou não da presença de lesão cariosa incipiente, poderão receber a aplicação do selante apenas após a remoção dessas alterações, com emprego de uma broca esférica carbide ½ ou ¼ (K.G. SORENSEN), montada em alta rotação. Destaca-se que aqueles que evidenciam lesões cariosas extensas, atingindo todo sulco oclusal e/ou tecido dentinário, e que envolvam todas as fóssulas e fissuras, não estão indicados para a técnica do selante de fóssula e fissura.

Kramer et al., em 199111 e 199712, considera que os dentes recém-erupcionados são candidatos ideais para a realização do selante de fóssulas e fissuras. Além disso, acredita-se ser discutível o conceito de que dentes que não desenvolveram lesão cariosa até 2 anos após a sua erupção estão contraindicados para o selamento, uma vez que nessa condição clínica está sendo considerado apenas o fator maturação pós-eruptiva; entretanto, um indivíduo não está livre de desenvolver cárie de fóssulas e fissuras durante o decorrer dos anos seguintes, se levarmos em consideração os fatores higiene oral, anatomia oclusal, dieta, além dos fatores secundários e modificadores que determinam o desenvolvimento da doença. Salientamos que estes fatores podem reverter um quadro estabilizado de saúde oral, podendo até mesmo levar um paciente de baixo risco à doença cárie para um quadro clínico de atividade da doença.13

Na oportunidade vale ressaltar que a aplicação incorreta dos princípios que regem a técnica do selamento tem sido apontada como o fator principal e decisivo para o fracasso dos selamentos realizados, salientando, ainda, que se o for realizar, faça-o corretamente, senão, não o faça!1-4, 6-9

Sundfeld, em 20012, ressaltou que o excelente comportamento clínico apresentado pelos selamentos oclusais avaliados em seu trabalho clínico  longitudinal de 11 anos de análise, está alicerçado, principalmente, na técnica extremamente acurada a que foram submetidos, enfatizando, com veemência, que o material  foi aplicado em esmalte dental condicionado, bem seco e não contaminado. Esse fato certamente colaborou com a considerável retenção dos materiais seladores empregados, uma vez que o condicionamento do esmalte dental foi realizado em toda superfície oclusal, impedindo, dessa forma, que o selante fosse aplicado no esmalte sem ser condicionado, fato que, sem dúvida alguma, proporcionaria o processo de infiltração marginal ao redor do selamento.  Na ocasião, ressaltou ainda a ausência de perda total do material selador e de lesão cariosa ao redor dos selamentos realizados nessa pesquisa clínica longitudinal 2, independente do material selador utilizado, se era apenas resinoso, com ou sem flúor em sua composição.

Entretanto, é conveniente a realização de exames radiográficos interproximais periódicos, assim como o controle de forma enfática da higiene oral; bem como orientar o consumo inteligente da sacarose e de carboidratos fermentáveis para evitar a instalação da lesão  nas superfícies proximais. Isto demonstra, claramente, que a cárie dental é uma condição multifatorial, onde cada fator tem sua função específica, sendo necessária a interação entre eles para que o processo carioso se inicie. 1,2

Dentro desse contexto, a realização do selamento oclusal, de fato, constitui-se em um avanço consideravelmente substancial na erradicação da cárie dental, nos defeitos estruturais do esmalte dental, oferecendo muitos benefícios, tais como: ausência de dor durante sua aplicação, boa aceitação clínica, além de ser considerado com um procedimento adesivo conservador.

CONCLUSÃO

Conclui-se que a aplicação de selantes de fóssulas e fissuras, mediante uma técnica adequada, constitui, incontestavelmente, um recurso eficaz e seguro na prevenção das lesões de cárie de fóssulas e fissuras.

GALERIA

Sequência laboratorial para observação dos tags resinosos em microscopia óptica comum com luz polarizada.

Sequência laboratorial para observação dos tags resinosos em microscopia óptica comum com luz polarizada. A – Sulcos, Fóssulas e fissuras de um molar extraído; B – Profilaxia com pedra pomes e água; C – Condicionamento com ácido fosfórico 37% (Condac 37, FGM); D – Condicionamento total por 30 segundos; E – Aspecto opaco esbranquiçado do esmalte após o condicionamento; F – Aplicação do selante (Prevent , FGM); G – Aplicando sob toda área de fóssulas e fissuras; H – Fotopolimerização por 20 segundos; I – Após o selamento das fissuras o dente foi seccionado em cortadeira de alta precisão e as fatias foram lixadas para observação da adaptação do selante e dos tags resinosos em microscopia óptica comum com luz polarizada.

Corte por desgaste do dente posterior selado com o selante de fóssulas e fissuras Prevent (FGM).

Corte por desgaste do dente posterior selado com o selante de fóssulas e fissuras Prevent (FGM).

Sequência observando a adaptação do selante Prevent (FGM) no sulco e os prolongamentos resinosos

Sequência observando a adaptação do selante Prevent (FGM) no sulco e os prolongamentos resinosos (tags) responsáveis pela união mecânica do selante de fóssulas e fissuras ao esmalte dental. (E) esmalte (D) dentina (S) selante de fóssulas e fissuras Prevent (FGM) e (T) tags. Fotos (a) em aumento de 25 vezes, (b) em 50 vezes e (c) após a descalcificação do esmalte em aumento de 100 vezes.

Após a observação da adaptação do selante, o dente foi descalcificado para observação dos prolongamentos resinosos formados pelo Selante Prevent (FGM) no esmalte.

Após a observação da adaptação do selante, o dente foi descalcificado para observação dos prolongamentos resinosos formados pelo Selante Prevent (FGM) no esmalte. (T) – prolongamentos resinosos (tags) responsáveis pela união mecânica do selante de fóssulas e fissuras ao esmalte dental.

REFERÊNCIAS

  1. Sundfeld, R.H. Análise microscópica da penetração ―in vivo‖ de selantes de fóssulas e fissuras; efeitos de tratamentos superficiais e materiais. Araraquara, 1990. 1 46p. Tese (Doutorado) — Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista.
  2. Sundfeld, R.H. A eficiência da aplicação de selantes na prevenção das lesões de fóssulas e fissuras: análise clínico-fotográfica e clínico-computadorizada. Araçatuba, 2001. 277p. (Tese Livre Docência) — Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista.
  3. Sundfeld RH, Mauro SJ, Komatsu J, Rahal S. Retenção dos selantes: avaliação clínica fotográfica: 18 meses de análise. RGO, v.40, n.6, p.424-6, 1992.
  4. Sundfeld RH, Mauro SJ, Komatsu J, Rahal S. Análise clínica fotográfica da retenção de selantes de fóssulas e fissuras: 36 meses de análise. Âmbito Odontol, v.3, n.14, p.334-9, 1993.
  5. Serra MC, Pimenta LAF, Paulillo LAMS. Dentística e manutenção de saúde bucal. IN: KRIEGER, L. ABOPREV. Promoção de saúde bucal. 2.ed. São Paulo: Artes Médicas, 1999. 475p.
  6. Sundfeld RH, Mauro SJ, Briso ALF, Sundefeld MLMM. Clinical/photographic evaluation of a single application of two sealants after eleven years. Bull Tokyo Dent Coll, v.45, n.2, p. 67-75, 2004.
  7. Sundfeld RH, Croll TP, Mauro SJ, Briso ALF, de Alexandre RS, Sundefeld MLMM. Longitudinal photographic observation of the occurrence of bubbles in pit and fissure sealants. J Appl Oral Sci, v.14, n.1, p.27-32, 2006.
  8. Sundfeld RH, Mauro SJ, Dezan E Jr, Sundefeld MLMM. Measurement of sealant surface area by clinical/computerized analysis: 11-year results. Quintessence Int, v.38, n.7, p.384-392, 2007.
  9. Sundfeld RH, Briso ALF, Mauro SJ, de Alexandre RS, Sundfeld Neto D, Oliveira FG, Machado LS. Twenty Years Experience with Pit and Fissure Sealants. Int J Clin Dent, v.2, n.4, p1-12, 2010.
  10. Eklund SA, Ismail AI. Time of development of occlusal and proximal lesions: implications for fissure sealants. J Public Health Dent, v.46, n.2, p.114-21, 1986.
  11. Kramer PF, Fernandes Neto PG, Fernandes RM, Corrêa MSNP, Fazzi R. Selantes oclusais: revisão da literatura: os selantes oclusais, seus aspectos clínicos e a importância de um programa de prevenção. Rev Assoc Paul Cir Dent, v.45, n.3, p.473-7, 1991.
  12. Kramer PF, Feldens CA, Romano AR. Promoção de saúde bucal em odontopediatria: diagnóstico, prevenção e tratamento da cárie oclusal. 2.ed. São Paulo: ArtesMédicas, 1997. 144p
  13. Croll TP & Sundfeld RH. Resin-based composite reinforced sealant. J Dent ChiId, v.66, n.4, p.233-8, 1999.
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